Friday, February 16, 2007

A historia do zéca russo ou o assassinato de um chefe de policia em joanesburgo

HISTÓRIA DO ZECA RUSSO OU O ASSASSINATO DE UM CHEFE DE POLICIA


O Zeca Russo foi uma figura mítica na Lourenço Marques colonial. Filho ou sobrinho da moça das docas, figura que povoava os primeiros poemas do poeta Virgílio de Lemos, era jovem, bem parecido, simpático no trato mas cedo se começou a meter pelos trilhos do pequeno crime. Um furto aqui, uma burla acolá, adquiriu também a fama de ser uma espécie de Zé do Telhado que roubava aos ricos para dar a pobres. Não seria bem assim, mas a verdade é que ajudava a mãe, pessoa pobre que o adorava e não fazia a menor ideia da origem do dinheiro que ele lhe dava. Ao mesmo tempo Zeca ajudava familiares e amigos também pobres, com pequenas importancias,cuja posse atribuía sempre ao trabalho ou a pequenos negócios de ocasião. Segundo me contou a sua advogada, Ruth Garcez, nesta fase ele sempre teve a preocupação de disfarçar e justificar a origem dos fundos que doava a familiares e amigos pobres, de modo que estes tinham por ele grande estima.
O mesmo já não acontecia com as vitimas dos furtos e burlas, que sabiam muito bem onde ele arranjava o dinheiro e não se coibiam de o divulgar. . Mas como os furtos e as burlas eram de pequenos montantes e o Zeca Russo era simpático e tinha fama de generoso, começaram a chamar-lhe Zé do Telhado mas não apresentaram queixa contra ele ou quando apresentaram, não se preocuparam em carrear provas para o processo, de modo que os seus pequenos crimes de juventude ficaram impunes.
Depois foi para a África do Sul,onde subiu uns patamares na prática de crimes, passando a dedicar-se em gang, a actos violentos contra pessoas e bens, sempre com o objectivo final de se apoderar de património alheio. Foi preso,mas, antes de julgado, conseguiu fugir e na fuga, ainda feriu um policia branco sul-africano o que deixou a corporação policial sul-africana com um ódio de morte ao Zeca Russo.
Veio para Moçambique, no principio da década de 1970.e, durante uns tempos manteve-se socegado. Mas quando viu que a África do Sul não requeria a sua extradição( nem podia) logo organizou a sua pequena quadrilha, de constituição multi-racial,e Lourenço Marques foi varrida por uma série de roubos e assaltos, sobretudo a casas e ourivesarias, de quantias elevadas, o que causou alguma perturbação na cidade.
Mas a policia depressa detectou e prendeu os autores dos crimes, que aliás confessaram.
Assim o julgamento que se seguiu não prometia grande espectáculo, porque se tratava de réus confessos e com abundantes provas contra e alguns poucos acusados como encobridores que questionavam tal qualificação.Todavia, por se tratar do Zeca Russo, o julgamento teve uma razoável cobertura mediática e grande assistência de público do qual se destacava uma claque que saudou, na primeira audiência o Zeca Russo como se fosse um herói. A advogada dele lá lhe disse que aquilo era contraproducente e as manifestações acabaram. A advogada era a Dr.ª Ruth Garcez, mais tarde a primeira juíza portuguesa e que tinha a difícil tarefa de atenuar o mais possível a culpa do seu réu´que fez com muito brilhantismo, sendo que os outros advogados a ajudaram, na medida em que organizaram uma defesa dos outros réus que não sobrecarregava a culpa do Zeca Russo. Mais tarde,, quando a pena saiu mais pesada que o esperado, todos os advogados do processo apoiaram Dr.ª Ruth Garcez no recurso que interpôs, fornecendo-lhe apontamentos do julgamento e colaborando com ela no estudo de certos problemas, recurso que obteve uma substancial redução da pena.. O Zeca Russo sentiu também esse apoio, de modo que ficou amigo dos advogados. Quando eu ia à penitenciária em serviço, muitas vezes encontrava por lá o Zeca Russo que gozava um regime de semi-liberdade. De uma das vezes, eu aguardava no átrio um cliente meu que tinham ido chamar à cela e o Zeca Russo foi o primeiro a aparecer de um grupo da cadeia que ia jogar futebol fora.. Só estávamos três pessoas no átrio: eu,ele e um guarda. De-repente o guarda teve que sair para a rua e deixou o portão aberto e eu,de brincadeira disse ao Zeca Russo: -Você qualquer dia perde o prestigio todo, se estes tipos o deixam com porta aberta para a rua e você não foge.Por eu estar aqui não deixe de fugir que eu nem corro atrás de si nem grito “ó da guarda”.. Ele riu-se e respondeu-me que não queria fugir, mas que tinha que pedir delicadamente aos guardas que o não deixassem sozinho, com a porta da cadeia aberta para a rua, porque era um desprestigio para ele. Depois, mais a sério, disse-me que os guardas sabiam que ele não queria fugir; o que ele queria era reduzir a pena com bom comportamento, perdões e amnistias, porque tinha um emprego prometido e queria mudar de vida.Acreditei nele.


O ALTER EGO NEGRO

Enquanto o Zeca Russo tinha o percurso acima descrito, um outro moçambicano se distinguia na senda do crime. Este era negro, actuava também na África do Sul, chamava-se Tembe, e contava no seu curricula com alguns assassinatos.Acossado pela policia sul-africana, refugiou-se em Moçambique, sua terra natal. Como o estatuto do indigenato tinha já sido abolido e conferida a nacionalidade portuguesa a todos os naturais do “ Império “, Tembe era português de pleno direito. Em Moçambique, continuou a dedicar-se a assaltos, nos subúrbios de Lourenço Marques, mas não matou ninguém, embora tivesse deixado uns velhotes quási mortos de susto, para os lados da Matola. A policia depressa o apanhou e prendeu.Começaram então a correr boatos de que a policia, tendo em conta que os crimes cometidos na África do Sul eram mais graves e davam pena de morte(justificação que em termos jurídicos era um perfeito disparate, o que não impedia certos juristas , servis e fascizantes de a apoiar), se dispunha a entregar o Tembe à policia da ,África do Sul, onde , em pouco tempo seria pendurado pelo pescoço em Pretória.
Nessa altura, o nosso grupo (eu, o Eugénio Lisboa, o Rui Knopfli, o Fernando Magalhães, o Zé Craveirinha e outros) colaborávamos ( à borla ), na TRIBUNA cuja redacção era chefiada pelo Gouveia Lemos, que, esse, não trabalhava à borla mas se via à nora para receber o vencimento. A Tribuna era o jornal da oposição, tanto quanto a censura deixava, e funcionava democraticamente. Assim, perante tal boato, o Gouveia Lemos ouviu-me primeiro, como jurista do grupo.Eu expliquei-lhe que essa coisa de entrega administrativa de presos policia a policia de países diferentes não existia no nosso direito e que a sua prática podia transformar a detenção pela policia moçambicana em sequestro, o que seria grave A única medida admissível era a extradição,naquele caso inaplicável, porquanto o Tembe era português e o crime porque seria julgado na África do Sul era punido com pena de morte,contrátia à ordem jurídica portuguesa o que impedia a extradição..Portanto o boato merecia uma notícia desenvolvida ou mesmo um artigo de fundo.
O Gouveia Lemos decidiu ouvir ainda o grupo. Todos eramos contra a pena de morte, provavelmente o Tembe era um bandido mas como era português tinha o direito de ser julgado pelos tribunais portugueses não correndo o risco de ser sujeito à pena capital. Assim o Gouveia Lemos escreveria um artigo de fundo, cauteloso na formulação mas intransigente nos princípios. Isto foi deliberado unanimemente pelo grupo, incluído o Gouveia Lemos.. Este escreveu um dos artigos de fundo mais notável da literatura jornalística portuguesa, intitulado “A VANTAGEM DE SER PORTUGUES “, que devia ser dado nas universidades de jornalismo portuguesas.
O governador de Moçambique lia com muita atenção a TRIBUNA.Se esta lhe tivesse mandado, como presente uma caixa de Champanhe, ele não ficaria mais contente. Pôs-se de imediato em acção, deu ordens terminantes à policia para nem pensarem em entregar o Tembe aos sul-africanos e fez um desmentido simpático à hipótese avançada pela TRIBUNA e assegurando que o “ português” Tembe não seria extraditado.
Ora as policias moçambicana e sul-africanas fartaram-se de entregar prisioneiros uma à outra. Eu, alem dos de ouvir dizer, conheço dois casos concretos: um, o do Álvaro Simões, que depois de julgado por razões políticas e absolvido, em Joanesburgo, foi metido numa carrinha à saída do tribunal, pela policia sul-africana e trazido à força para Lourenço Marques e entregue à PJDE que o submeteu a novo julgamento ; outro foi o caso dos refugiados moçambicanos na SUÀZILANDIA( país independente), levados à falsa-fé por agentes sul-africanos para NELSPRUIT, já na República da África do Sul e daí entregues à PIDE em Lourenço Marques.
Mas o governador tinha que dizer aquilo e nós queríamos safar o Tembe da hipótese da forca, pelo que não houve mais polémicas e ele foi julgado e condenado a um ror se anos de cadeia.
De modo que em 25 de Abril e em 7 de Setembro de 1974 estavam ambos, Tembe e Zeca Russo, presos em Lourenço Marques.

E DEPOIS DO ADEUS

O 25 de Abril, em Lourenço Marques, foi um pouco estranho.Logo de manhã, pelas 8 horas, uma parente minha que trabalhava na TAP, me telefonou avisando que algo tinha acontecido em Portugal. A partir daí, comecei a dar trabalhos forçados ao meu “ Nordmend world wide”, que apanhava tudo quanto era estação a transmitir em onda curta, enquanto deixava outro rádio ligado para a rádio local que se limitava a repetir o noticiário da noite anterior. Mas a EN,de Lisboa não deixava dúvidas, pois transmitia o comunicado do MFA, dando conta, sem pormenores, da revolução. A BBC e a France International davam mais pormenores, todavia escassos. De modo que quando às 10 horas, um militar ligado ao serviço de informações do exército me telefonou a perguntar se eu sabia se o golpe era do Kaulza ou do Spínola, foi com muito gozo que lhe respondi que era do MFA.
A verdade é que houve uns dias de indecisão, durante os quais se não sabia quem era poder e como se organizava o mesmo em Moçambique , o que a Pide-DGS aproveitou para calmamente queimar os seus arquivos mais comprometedores.
Nesse período´que podemos considerar de ausência de poder, o povo moçambicano de todas as raças demonstrou claramente o seu grande civismo. Com efeito o que se estava a passar ia influenciar grandemente o futuro de cada habitante daquele país.Mesmo assim não houve manifestações de violência e de ódio, nem aumento de criminalidade,nem vinganças pessoais. Moçambique aguardou, com preocupação mas serenamente ,o desenvolvimento dos acontecimentos.
Os acontecimentos sucederam-se:Nomeado novo governador-geral e novo governo,constituido por gente séria e estimada mas condenado a continuar a ser tratado como governo colonial pela frelimo que, naturalmente não dava ainda por adquirida a descolonização e a futura independência e como concorrente pelos poderes emergentes do 25 de Abril (MFA; Sindicatos,partidos mais importantes da”Metrópole” e novos partidos locais,surgidos das novas liberdades e das angústias da nova situação),. ele não deixou de ter uma prática positiva e descompressiva dos temores latentes.Soltaram-se os presos políticos, alguns membros mais notórios da DGS foram detidos, instituíram-se as liberdades fundamentais, impediu-se a saída do ouro moçambicano para a “ Metrópole “, resolveram-se inúmeras e justas, mas inoportunas reínvindicações laborais, mantiveram-se a funcionar normalmente os serviços públicos e o mercado regularmente abastecido e manteve-se um clima de paz social absolutamente extraordinário se tivermos em conta a agitação própria do momento político, a legalização de manifestações reínvidicativas não racialmente descriminadas e a continuação da guerra no norte e centro do território. Este clima era desencorajante para os membros do governo da ainda colónia.Soares de Melo, o governador – geral, democrata de sempre, íntegro e respeitado,pediu a demissão e, prevendo que o seu futuro alí não seria brilhante, saiu de Moçambique. Pouco antes tive uma conversa com ele no palácio da Ponta Vermelha, e disse-me:- Oh Adrião, a gente aqui não manda nada! Andam para aí uns tipos que se dizem do MFA, que dão ordens e as executam, sem atender à nossa ( do governo ) opinião, desfazem ou não cumprem as medidas que tomámos, dentro da nossa competência e isto apesar de sempre termos querido coordenar com eles, pois reconhecemos a sua liderança no processo. Mas nem nos ouvem. Têm o poder, e pronto! Depois,rindo-se, acrescentou:- A única coisa de bom que este lugar tem é a garrafeira dos governadores gerais; e olha que nem uma garrafa comprei para acrescentar ao “ stock; não valia a pena, eles tinham tudo.
Foi-se embora e sucedeu-lhe Ferro Rodrigues, Juiz integro e de uma coragem e determinação excepcionais, foi ele ,juntamente com o Dr. Sérgio Espadas, quem salvou a honra do convento, no 7 de Setembro de 1974,foram eles, mantendo-se no governo, tentando dissuadir os ocupantes do Rádio Clube , estabelecendo uma base de poder legítimo que propiciou a deslocação do general Chipande da Frelimo a Lourenço Marques e os seus contactos com os leaders dos apoiantes negros da Frelimo em LM, que foram quem desactivou um ataque em massa dos negros da cidade do caniço à cidade dita branca, ataque, diga-se, perfeitamente justificado como legitima defesa. De facto o 7 de Setembro em Moçambique foi um conluio, muito estimulado pela direita de Portugal, pelo qual um grupo de pseudo intelectuais se apoderou da Rádio e de alguns jornais para servir de base de apoio e suporte a uma racista caça aos negros nos subúrbios, que chegou a acontecer, operada por umas dezenas de energúmenos bem armados que andaram a assassinar negros ..Nesses dias só entraram negros baleados no hospital e morgue de LM.Portanto a reacção que estava preparada de um assalto, em massa , da população do caniço à cidade branca, visto que era de lá que vinham os ataques,estava totalmente justificada. Só que iria fatalmente provocar vitimas inocentes, reacções incontroláveis e cavar o fosso entre as comunidades presentes no território, o que alguma gente queria mas as comunidades não queriam. Isto e o civismo e bom senso dos moçambicanos propiciou o sucesso daqueles que desactivaram o projectado assalto.
Uma das acções dos promotores do 7 de Setembro foi abrir as portas das cadeias, essencialmente com o objectivo de libertar os Pides presos, que saíram todos.Dos presos de direito comum, uns saíram, outros recusaram-se e ficaram. Entre os que ficaram, contavam-se o Tembe e o Zeca Russo, facto que muito impressionou a frelimo cujo governo, depois da independência, fez deles quadros da nova polícia. Assim acabaram em inspectores da PIC (Policia de Investigação Criminal do jovem país).
Como eles se comportaram nas suas funções, sei o que constava, que era muito mau, mas não sei se tudo o que constava era verdade e se, sendo-o, se era da responsabilidade deles.
Havia prisões a esmo, sem respeito pelos direitos das pessoas e prolongadas por períodos ilegais e inadmissíveis, aqui e ali maus tratos e violência. Os presos e expulsos do país, queixavam-se serem simultaneamente espoliados dos seus bens. A policia apreendia divisas,ouro e jóias, mas não constava que tais bens alguma vez dessem entrada num cofre ou depósito público Mas era muito difícil verificar estas situações, mas lá que algo de irregular havia soube-o eu pelo que aconteceu. Um dia cheguei ao Banco de Moçambique, de que era vice-governador, e encontrei sobre a secretária um oficio da Policia ordenando a transferencia de todas as importâncias depositadas em contas congeladas de um médico qualquer para uma conta da Policia junto do Instituto de Crédito de Moçambique.De facto,meses atrás, quando da nacionalização da medicina e do encerramento dos consultórios médicos, tinha sido simultaneamente ordenado o congelamento das contas bancárias;mas tratava-se de uma medida provisória destinada a prevenir acções de pânico, sendo suposto que a breve prazo as contas voltariam à disponibilidade dos médicos seus titulares, como, de facto depois voltaram.
Porém, transferir o dinheiro depositado numa conta congelada, sem lei ou ordem judicial que o suportasse para uma conta da Policia, era um puro acto de esbulho ilegal, mesmo tendo em conta a chamada “ legalidade revolucionária” tão preconizada pelos juristas esquerdistas.Resolvi telefonar ao meu amigo Dr Eneias Comiche, presidente do Instituto de Crédito, onde estava sediada a conta da Policia e fiquei a saber coisas para mim espantosas: que a policia dava, com frequência, ordens daquele tipo e que os bancos cumpriam (quanto ao Banco de Moçambique aquela foi a primeira e única vez em que tal ordem lhe foi enviada).Quanto à conta da Policia, ela de facto existia, ela era movimentada por uma única pessoa, o inspector Monteiro dos Santos ( Zeca Russo ) e à medida que abastecida imediatamente posta a zero,com levantamentos pouco claros
Imediatamente oficiei à Policia informando-a de que, sendo ilegal o seu pedido, a transferencia não era autorizada, e enviei uma circular aos bancos dando conta da irregularidade de tais procedimentos. Fiz, ainda, com o total apoio do governador, uma informação para o governo, dando conta da atitude do Banco de Moçambique e alertando-o que a disponibizaçâo por forças armadas de verbas orçamentalmente incontroláveis podia ter os maiores inconvenientes, tais como, por exemplo, a preparação de golpes de estado.
Fiquei à espera que um pedaço de “ céu velho” me caísse em cima da cabeça. Mas nada aconteceu e a policia entrou na ordem quanto ao esbulho de depósitos.

A VISITA AO BANCO DE MOÇAMBIQUE

Uma noite, estava eu só, no governo do banco, pois o governador tinha-se ausentado para uma reunião do comité central da Frelimo, apareceu-me um funcionário da casa forte , dizendo que tinha lá em baixo o inspector Monteiro dos Santos, da PIC ( Zeca Russo ), que pretendia inspeccionar a casa forte, para verificar as condições de segurança. O funcionário ( um cooperante português), mostrava-se nervoso, esclarecia-me que tinha respondido que só podia facultar o acesso com autorização do governo do banco e pedia-me que se eu a desse, fizesse o favor de o fazer por escrito.
A situação era delicada, o Zeca Russo era inspector da policia, invocava uma razão de segurança válida, do ponto de vista policial, mas eu tinha a certeza que as intenções dele eram outras, provavelmente verificar as possibilidades de assaltar a casa forte.
O Banco de Moçambique tinha iniciado a sua actividade de banco central com cerca de 150.000 contos de disponibilidades externas, o que correspondia a um chefe de família ter 100 euros para governar a casa durante um mês.Por razões que descreverei noutro capítulo, tinhamos conseguido melhorar a situação e, na altura destes acontecimentos , já dispúnhamos de cerca de 20 toneladas de ouro, em reservas, e de cerca de um milhão de contos em divisas fortes ( US dólares,marcos e francos suíços ).Claro que o ouro se encontrava em bancos estrangeiros e as divisas aplicadas externamente, mas na casa forte havia cerca de 200.000 contos em divisas fortes, uma grande quantidade de randes sul-africanos e uma tonelada de ouro. Enfim, mais do que suficiente para despertar a cobiça dos zecas russos deste mundo
Pensei um bocado e tomei uma decisão que transmiti ao atrapalhado funcionário;- diga ao Sr. Inspector que eu o não autorizo a ir inspeccionar a casa forte que está segura e à guarda do governo do banco. Se ele quiser traga-o ao meu gabinete que eu explico-lhe melhor a situação..
O homem sumiu-se e nessa noite nada mais se passou. No dia seguinte mandei chamar o funcionário e ele explicou-me que tinha transmitido as minhas palavras tal e qual ao Sr. Inspector e que ele se tinha ido embora sem nada dizer
Resolvi contar o sucedido ao governador do banco e, pela primeira e única vez, ele não estava de acordo com a minha decisão e disse-mo:- o inspector tinha a confiança do governo, estava no exercício das suas funções e,portanto, eu devia ter-lhe facultado o acesso.Respondi-lhe que a independência do banco central exigia que qualquer interferência da polícia nos seus assuntos internos tivesse a concordância do governo do banco e que não era muito natural que sem qualquer razão justificativa aparecesse um funcionário da policia a querer inspeccionar a casa forte;que se admitíssemos tais práticas, a independência do banco desaparecia..Mais, que eu estava convencido, pelo que sabia da história do indivíduo, que a única explicação para o sucedido era o inspector estar a preparar um golpe. Mas que se ele, Alberto Cassimo, achava diferentemente desse ele a autorização, que eu não me ofendia nada com o assunto; só que não me metesse no processo.Aqui convem abrir um parêntesis para dizer que sempre fui muito amigo do Alberto Cassimo, pessoa de altas qualidades morais e cívicas, de uma inteligência brilhante e de uma seriedade a toda a prova.Esta foi a única vez em que num assunto importante não estivemos de acordo com ele.

A MORTE DO INSPECTOR

Não tinha passado um mês sobre os factos anteriormente relatados, estava eu a ouvir o noticiário em português da SABC (South Africa Broadcasting Corporation),como costumava todos os dias de manhã, pelas 7 horas,sou surpreendido pela noticia dada com grande destaque, do assassinato,a tiro, num apartamento em Joannesburg,por um português, do inspector Monteiro dos Santos, vulgo Zeca Russo..Segundo me disseram mais tarde, o assassino foi um angolano, sócio do Zeca Russo nos seus negócios moçambicanos e em consequencia de um desentendimento quanto a contas. O caso foi tratado sem grandes parangonas e quási silenciado em Moçambique. O assassino foi preso e julgado e condenado, mas a uma pena relativamente pequena, para os hábitos da justiça sul-africana. Segundo me constou, mas não poude confirmar o facto,pouco depois de condenado, já o assassino andava em perfeita liberdade na África do Sul. A ser verdade é evidente que o assassino não agiu só por conta própria. A verdade é que esta história macabra não teve grandes repercussões na história da África austral.
Com a notícia fresquinha parti para o banco e fui dá-la ao governador Alberto Cassimo,que de nada sabia, quís saber como tinha eu tido conhecimento e, quando lhe disse que era notícia da SABC,dessa manhã, achou que devia ser falsa e fruto de manobras sul-africanas para destabilizar Moçambique. Eu respondi-lhe que me não parecia que pudesse ser uma falsa noticia, já que a SABC nunca daria como verdadeiro um assassinato, ocorrido em Joannesburg e que afinal não tinha acontecido.
Umas horas depois o Cassimo telefonou-me, pedindo-me para passar pelo seu gabinete. Quando lá cheguei ele estava transtornado e em pânico, A cor da sua pele era cinzenta e o suor caia-lhe em bica , apesar do ar condicionado e da temperatura amenaDisse-me que afinal se confirmava a morte do Zeca Russo e confessou-me que depois de eu ter recusado a autorização para ir à casa forte, ele tinha telefonado ao Sr. Inspector,convidando-o a ir lá; e o sr inspector foi . Agora estava com medo que ele tivesse dado algum golpe. Soceguei-o, disse-lhe que se alguma coisa tivesse acontecido, já tínhamos tido conhecimento, até porque o sistema de segurança era sofisticado, não era fácil assaltá-la, muito menos sem deixar rasto. Mas ainda mandámos fazer uma inspecção que deu o património como intacto.Falhara o último golpe do Zeca Russo Paz à sua alma...